UMA VEZ SALVO, SEMPRE SALVO?

No meio acadêmico não é difícil ouvir o famoso chavão: “Uma vez salvo, sempre salvo”. É sobre ele que queremos falar neste texto. É correto fazer tal afirmação? Um cristão pode ou não perder a salvação? Sobre esta questão, existem dois grupos de defensores: (1) os que ensinam que ela não pode ser perdida; (2) e os que ensinam que ela pode ser perdida.

Mas, e a Bíblia, o que ela diz? Nela, aparentemente, há base para a defesa das duas posições; só “aparentemente”. Um exame mais cuidadoso mostrará que a segunda opção é a mais correta. Comecemos com os textos bíblicos que, em primeira instância, parecem negar a doutrina de que um crente pode perder a sua salvação e cair da graça. Dois textos principais se destacam como os mais usados para defender esta doutrina: João 6:38-40 e 10:27-30.

O primeiro deles diz: a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6:39). Esta afirmação foi dita por Jesus. Com base nela, alguns autores afirmam que os que foram dados pelo Pai ao Filho, jamais se perderão. Dizem que todos os que verdadeiramente creram em Cristo permanecerão fiéis até o dia final. Mas, será isso que o texto está dizendo?

Em primeiro lugar, observe atentamente a expressão: a vontade de quem me enviou (grifo nosso). Jesus está dizendo que, a manutenção da salvação de todos aqueles que lhes foram dados, é a vontade de Deus. Entenda bem, esta é a “vontade” de Deus. Isso não significa que será assim. Em I Timóteo 2:4 lemos que Deus, nosso Salvador: …deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Veja, isso é um desejo, mas não significa que acontecerá. Todos os homens serão salvos? Todas as pessoas de todos os tempos conhecerão a verdade?

Muito bem, mas você ainda pode questionar: Mas esta é a vontade de Deus para Jesus – que nenhum eu perca de todos os que me deu (grifo nosso) -, sendo assim, se alguém se perder, isso não significaria que Jesus não estaria cumprindo a vontade do Pai? A resposta é não! O fato de alguns se perderem mesmo sendo enviados por Deus, não quer dizer que Jesus não está cumprindo a vontade do Pai. No que diz respeito a Ele neste processo, ele fará de tudo para que todos sejam salvos.

Mas, agora leiamos o que diz o versículo seguinte: De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6:40 – grifo nosso). Preste atenção nas palavras “vir” e “crer”, destacadas no texto. No texto original os termos são theõron (ver) e pisteúon (crer). Estes dois verbos estão em um tempo grego chamado “particípio presente”, que indica uma ação continuada ou repetida.

Então, a idéia dos termos no versículo é: a vontade de meu Pai é que todo homem que “continuar olhando” o Filho e “continuar crendo” nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Nós recebemos a salvação pela graça e escolhemos continuar crendo ou não. Por causa do livre arbítrio, as pessoas podem escolher abandonar a Cristo, se apostatar.

Deus não quer que isso aconteça, e o Filho, através do Espírito, se empenha para que não ocorra. Todavia, é possível que aconteça. Se o ser humano não puder fazer esta escolha, como alguns ensinam, infere-se que ele não tem o direito de escolher. E, nesse caso, não é de fato livre.

O outro texto usado para amparar a doutrina que diz que uma vez salvo, sempre salvo, é João 10:27-28, que diz: As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão (grifo nosso). Por causa desta afirmação grifada, alguns entendem que este texto está ensinando que uma pessoa que se rendeu a Cristo está eternamente segura, independente do que faz no que diz respeito ao seu relacionamento com Deus.

Entretanto, o que o texto está apresentando é uma preciosa promessa de que “nada exterior ao homem pode destruí-lo, enquanto ele estiver depositando sua fé em Deus”.[1] Ou seja, ninguém arrebatar uma pessoa da mão de Deus, só ela mesmo. Aqui, o mesmo principio do livre arbítrio, trabalhado no texto anterior, é ressaltado.

Agora, quanto aos textos que ensinam que o salvo precisa preservar a sua salvação, podemos citar vários deles. De início, pensemos no que disse Jesus sobre esse respeito. Ele alertou os seus discípulos, quanto ao perigo de serem desviados e abandonarem a caminhada cristã (Mt 24:3-14). Será que ele faria isso, se não houvesse a possibilidade de isso acontecer?

Além do mais, em algumas ocasiões, Jesus enfatizou a necessidade de permanecer fiel até o fim (cf. Jo 8:31-32; Mt 10:22; 24:13; Ap 2:10). “Mas quem perseverar…” dizia Jesus. Porque esta expressão se é impossível que alguém que creia nele não persevere? Isso é uma prova evidente de que, é possível alguém que creu, não perseverar. Paulo também mostra que é preciso permanecer na fé: agora, porém, vos reconciliou no corpo da sua carne, mediante a sua morte, para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis, se é que permaneceis na fé (Cl 1:22-23 – grifo nosso). Além de Paulo, no livro de Hebreus, existem dois alertas que não fazem sentido se o crente não puder realmente se desviar e se apostatar (cf. 2:1; 3:12-14).

A Bíblia insta aos crentes a continuar na fé: Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança (Hb 6:11). Esse encorajamento foi feito, porque neste mesmo capítulo de Hebreus, existe um texto claro que diz ser possível se apostatar e assim, perder a salvação: É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo (…), e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento (Hb 6:4-6).

A palavra “caíram” não se refere a um simples tropeço de um cristão fraco, mas a apostasia; a uma “rejeição deliberada de Jesus Cristo”.[2] Para eles não há chance de arrependimento, pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública (Hb 6:6 – NVI). Eles não choram mais pelo sangue derramado na cruz. Ignoram-no, e agora, o envergonham abertamente pela sua apostasia.

Não podemos nos esquecer que Hebreus não está sendo escrito para crentes simpatizantes, mas para cristãos regeneradas. Cristãos regenerados também continuam correndo o risco de se apostatarem de maneira final e irrevogável[3]: …se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo (Hb 10:26-27).

O texto de Hebreus não nos diz se alguém chegou a esse ponto. Entretanto, o que fica muito claro é que, se o terrível pecado da apostasia de pessoas salvas não fosse ao menos remotamente possível, todas estas admoestações não teriam sentido algum.

Precisamos perseverar! …corramos com perseverança a carreira especial que Deus pôs diante de nós (Hb 12:1 – BV). Por fim, lembramos que, dizer que nós precisamos preservar a nossa salvação, não é defender salvação por meio das obras. É preciso um pouco de cuidado nesta parte. A salvação é recebida gratuitamente pela fé. É pela fé, também, que permanecemos no caminho. Todo o nosso esforço para fazer a vontade de Deus é uma resposta grata a salvação que recebemos gratuitamente. Por amor, e só por amor, devemos perseverar até o fim. A salvação é, do início ao fim, pura graça de Deus para os seres humanos!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

EARLE, Ralph; MAYFIELD, Joseph H. Comentário Bíblico Beacon. Vol. 7, Rio de Janeiro: CPAD, 2006.

 

TAYLOR, Richard S. e outros. Comentário Bíblico Beacon. Vol. 10, Rio de Janeiro: CPAD, 2006.

 

[1] Earle; Mayfield (2006:100).

[2] Taylor e outros (2006:57).

[3] Ibidem.

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